Arquipélago Gulag no SAAN

Eu fui mandado para o campo de concentração da empresa. Início de ano é foda, não tem pauta pra que eu fotografe. Acho que todo chefe deve achar um extremo desacato encontrar seu funcionário tomando cafézinho e andando no corredor. É um crime. A forma como lidam com isso é como se vc tivesse uma doença muito infecciosa e precisassem se livrar logo daquilo. Tem setores, ao contrário do meu, que nunca páram. A reprodução de DVDs, por exemplo. Fui convidado a me juntar aos outros colegas aquém da civilização, no distante Setor de Abastecimento e Armazenagem Norte, o SAAN. Lá tem muita coisa a fazer, muito DVD para ser colocado dentro de seus boxes e, por sua vez, amontoados dentro de caixa, de 100 em 100, ou de 50 em 50. Não sei bem a quantidade final... só sei que pesa. O ambiente do lugar é desolado... uma televizão exibe desenhos antigos do Pica Pau.

Mas... justo você, senhor Saulo Cruz, outrora militante das utopias comunistas, autor de tamanho inconformismo diante de uma oportunidade de contribuir com a coletividade?

Sou a favor dos ideais coletivos e da ajuda. Claro. O problema é a forma como me é feito o "convite" a me juntar aos meus colegas tão proletários quanto eu. Desagradável. Sempre me sinto um inútil quando me colocam nessas situações. Questão de dignidade. E também na falta da reciprocidade. Posso muito bem empilhar DVDs e carregar caixas. Agora, se eu precisar de uma ajudinha sobre como regular temperatura Kelvin, como calcular fotometria, acho q meus camaradas de braço não irão contribuir muito. E... para concluir, não tem nada de coletividade nisso... é simplesmente mão de obra da empresa resolvendo seus interesses capitalistas, oras.

Se vc for me pedir um favor, peça. Mas peça com carinho.