domingo, 25 de julho de 2010

clube dos esquisitos


clube dos esquisitos
Upload feito originalmente por Saulo Cruz
O Clube dos Esquisitos.

Acordo. Está escuro dentro do quarto. Percebo minhas pernas raspando em um colchão nu. Estou de roupa, minha camisa de estampa de desenho do Gênesis, do R. Crumb. De meias e jeans. Enrolado em alguma espécie de edredon. Sem me mexer, continuo meu registro visual do recinto. Tem um headbanger - barba por fazer, cabelo grande, um verdadeiro refugo dos anos 80 - de frente para mim. Enrolado em uma colcha verde, só a cabeça de fora (sem trocadilhos). Dorme o sono dos inocentes. A uma distância segura.

A janela deixa filetes de luz escapar. Pressuponho que lá fora o astro rei desponta alto pelo céu de Brasília.

Nas primeiras frações de segundos do dia sempre são as perguntas fundamentais: onde estou? Pra que estou aqui? Como vou embora?

Uma garota. Casa de seus amigos. É por causa dela que vim. Espero que meu carro ainda esteja lá.

Levanto. Ela aparece na porta. Não liga mais. Quer que eu vá embora, não valho mais nada.

Nosso primeiro encontro fora maravilhoso. O próximo seria no aniversário de seu amigão. Decidi que queria conhecer seus camaradas. Pensei que seria, a princípio, um grupinho seleto de entusiastas das utopias da esquerda. Me enganei. A fauna era bem mais rica naquela noite.

Você passa de panela em panela. As pessoas perguntam: "você é do quadro?". Perguntam: "qual seu carro?". Perguntam: "coca preta ou branca?" Nesse grupinho eles me perguntavam "qual seu curso?". Não tenho curso universitário nenhum (e não me orgulho disso, que fique claro). E ficavam meio desapontados. É como se um dançarino de calypso fosse ao Encontro dos Admiradores da Débora Colker.

O legal é ser confrontado com perguntas tão óbvias que soam como sacanagem. Tipo "você trabalha?" é uma pergunta tão estúpida que precisa ser levada em consideração. Eu sou o rei das perguntas estúpidas. "Quais eram seus sonhos de infância" é uma de minhas favoritas. No geral as pessoas não se sentem muito bem na minha presença por conta de minhas perguntas estúpidas. "Você trabalha?" me fez refletir sobre o choque das minhas próprias perguntas sobre as emoções alheias. Interessante.

As pessoas conversam sobre conforto, sobre segurança, estabilidade. As pessoas querem exatamente tudo o que tinham quando estavam dentro do útero de suas mães.

No Clube dos Esquisitos os assuntos eram diferentes. Eram piadas trotkistas, tiradas espirituosas sobre desigualdade social. Eles falavam de lutas sindicalistas, de professores pelegos, de ocupação de reitoria, da relação entre palavras de ordem e axé. De comida vegana.

Sim, mais essa. Alguns vegetarianos. Outros veganos. Tudo numa aura de mistério. Porque uma dieta vegana não é pela saúde. É por um ideal de vida, uma militância eterna.

(Esquisito esse termo "vegano". O tempo todo me lembrava dos vulcanos, tipo o Capitão Spocky. Ser vegano era o equivalente a pertencer a uma raça superior, onde as pessoas são motivadas pela lógica e razão indestrutíveis)

Pensei que me sentiria em casa no Clube dos Esquisitos. Porque é 89.852 o número da minha ficha de filiação à Federação Esquisita Brasileira. Sou esquisito por opção e natureza. Graças a Deus.

O problema é que não sou da "vibe" daqueles esquisitos.

O desafio maior do ser humano não é a colonização do espaço. É entender o próximo.

Nesse tipo de ambientes, onde você é o único que não conhece ninguém, vale seguir o Manual dos Estranhos no Ninho:

1) Não sugira as próximas atividades do grupo. Será julgado como "entrou no ônibus agora e já quer sentar na janelinha"
2) Não converse, não veja, seja indiferente às namoradas das pessoas do Clube.
3) Não conte as mesmas piadas do SEU grupinho. Eles nunca vão entender e ficarão naquele silêncio sepulcral. E depois olham um pra cara do outro, constrangidos e pensando em uníssono "quem chamou esse cara?"
4) Não fale do que você realmente acredita. Porquê se você convencer que sua visão de mundo é palpável, tem substância e é algo admirável, eles se sentirão ofendidos.
5) O melhor é se esconder em alguma bebida forte.

Acho interessante os olhares. O olhar das pessoas projetados sobre você, o estranho. Nos primeiros e decisivos cinco segundos toda a opinião sobre sua persona já está inflexívelmente formada. Não tem mais jeito. Essa é a minha razão de não investir em personagens. O melhor é expor logo quem se é pra não haver decepções no futuro.

Ser esquisito é um charme. 2% da humanidade vai te achar o máximo. 3% será completamente indiferente a você. 15% vai lhe achar engraçado. E os outros 80% fingir que você não existe.

No final das contas a noite até que foi divertida.

Ontem, no supermercado, tocou Ana Júlia, dos Los Hermanos. Ela disse que é brega. Caiu muito no meu conceito.

7 comentários:

  1. Vc tem uma maneira de escrever, jamais vista. A simplicidade e meticulosidade da discrição das coisas é tamanha, que chega a ser inversamente proporcional à minhas humildes percepções. É do tipo de pessoa que causa até medo de estar perto por saber que ele vai entender o que os meus elétrons estão conversando com os prótons... HAHA ÚNICO! :* Biba

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  2. Fiquei pensando sobre isso. Juro... Acho que visto um personagem...rs. O meu... Arrumei o mais complicado pra fingir quem sou. Fiz uma auto-análise quantitativa inspirada na sua, do que pensam de mim as pessoas que me conhecem, e percebi que: 30% Me acham engraçada e doida (às vezes o máximo, por estas razões, às vezes, é doida mesmo!) 20% (“piriguete”, bêbada, fútil, mas generosa – creio que estes sabem pouco da vida... Mas tento não me importar muito... Talvez a vida os ensine), 20% completamente indiferente (olha minhas rugas...rs), 10% “A frente do meu tempo”, livre, “polêmica” (estes aí são o orgulho o meu ciclo)10% Indecifrável (legal, também acho). E ainda acho que rótulos (mais uma vez...eu sei) são os assassinos da nossa complexidade. Bjoo Saulito! (Obs.: Estou nos 2% da sua pesquisa).

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  3. Minha amiga me mandou esse link, resolvi ler afinal quem seria esse saulocezarcruz, conheço pelo menos três "Saulos" cada qual com suas particularidades e distintos entre si...minha ficha caiu logo logo...deixei as louças sujas de lado(minha contribuição para a organização do lar)...li, reli, tentei ler os comentários...Não gostaria de concordar em nada com o que expressou, mas alguns pontos convergem...contudo, infelizmente, você caiu no meu conceito...lembro que ao me despedir ter dito "até a próxima" mesmo sabendo o que iria acontecer..."É por causa dela que vim", também foi por causa dela que fui e irei onde for preciso...me entristece ler palavras tão amargas de alguém, aparentemente bem legal, os julgamentos nem sempre são condizentes com o real, não é mesmo?!? Deveria ter sido ao menos você mesmo, ao invés de tentar agradar aos outros por um capricho egoísta de conquistar alguém...mais um idiota se achando estranho (e mais um capricho egoísta) sem se preocupar com o que as pessoas pensam delas mesmas...Seu antropocentrismo me fatigou...não se ache "o diferente" afinal, agiu como a imensa maioria da população, que julga de acordo com suas visões limitadas do mundo, que prefere ferir etc etc etc...achei que possuía um mínimo de austeridade - por ter arcado com a conta e ter compartilhado a batata - me equivoquei...todas as suas lamuriações egoístas fez-me lembrar da letra de "Soul Parsifal" da Legião... se seu desabafo fez sentir-se melhor já valeu por alguma coisa...ainda assim, lhe desejo flores pelo caminho... :)

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  4. ...que rídiculo, ainda precisa de aprovação do ser superior-controlador das opiniões alheias expressas em seu blog pessoal...

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  5. Seus comentários não agradaram a todos e todas presentes aquele dia nesse aniversário. Hoje lemos juntos sua posição; muita gente demonstrou irritação, eu gostei (em parte). O que gostei: Acho que falta uma autocrítica nossa. Já passou da hora de reconhecermos o "grupo" (não fechado) que criamos; ver que colocamos barreiras para o acesso até nós. Acho que todo "grupo" faz isso, mas nós nos prendemos a esquisitices bizarras. Falamos de concepções de pessoas do grupos mas não a explicamos. Daí o mistério; é como se fosse algo muito secreto e inovador... A questão é como somos estranhos em algum sentido - não que a diversidade cultural não seja a aceitação das esquisitices - mas não nos entendemos ainda. São vários problemas internos (entre os "membros) e externos (de membros insatisfeitos com suas relações atuais em outros espaços).

    Falo por mim, mas acho que é isso.

    Guilherme Silva

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  6. Li esse seu texto pela primeira vez há alguns dias. E o venho lendo, tentando absorver dele alguma forma peculiar de escrita que me agradou imensamente. Além é claro de me identificar tanto com o estranho no ninho, quanto com um membro do grupo que se fecha para o "estranho".

    Adorei!

    Beijo!

    Michelle Rolim

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