quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

BRASÍLIA, A CIDADE DO AUTOMÓVEL.

Eu trabalho no TCU e no TRF. Eles ficam relativamente próximos um do outro. O que os separa é basicamente o Eixo Monumental ( acho que eu e o Niemayer somos os únicos que ainda chamam a Esplanada dos Ministérios por esse nome...).
Quando saio do TRF, em horário de almoço, caminho até o Mineiro, um barracão de lona entre o STJ e o Anexo III da Câmara dos deputados, e almoço. Depois sigo para o TCU, onde teoricamente trabalho até as dezoito horas ( quando junta serviço prefiro ficar um pouquinho depois pra deixar arranjado).
O que eu nunca ví em Brasília é falarem da rota que eu passo. Leio crônicas da cidade, falando de suas quadras arborizadas, seu parque extenso, sua arquitetura arrojada mas nunca lí sobre o matão que tem alí depois da praça dos tribunais, o chão seco rachado de terra em dias de sol e barroso e movediço em dias de chuva em volta da "Nunciatura Apostólica" (Alguém lembra de onde isso fica?). O asfalto quente e carros. Muitos carros.
Tenho a impressão nestas últimas semanas que a única pessoa que ainda utiliza o antiquado meio de locomoção manual (ou "pernalístico") por lá sou eu. Quantos carros em minha direção, quanta pressa, curvas fechadas, pneu cantando, mulheres ao celular na direção. Quando chega a hora do almoço é natural que se esteja ansioso por chegar logo a um restaurante, mas cuidado comigo, seus macacos do trânsito. Parece-me que sou um alienígena num planeta em que o ar já não presta, o chão não é seguro, o sol é escaldante, e o que se procura é apenas um ar condicionado e pé na tábua.
Numa espécie de Big Brother observam-me de suas janelas televisoras – quem é aquele que atravessa nosso sinal?- devem pensar. Sinais que nem pra pedestres foram feitos porque são controladores de encontro de vias. Eu só pego carona.
Ah, menti pra você. Eu não sou o único que anda por aquelas bandas. Tem um moleque que vende bala no sinal-que-não-é-pra-pedestre logo após a praça dos tribunais. Sempre o vejo. Se bem que, pensando bem, pelos variados horários que passo por aquela rota, acredito que o moleque nasceu naquele cruzamento. Nunca percebi ele chegando nem indo embora. Ele simplesmente permanece no lugar. Talvez, durante a noite, o moleque vire uma dessas corujas tão típicas de Brasília e saia voando pra levar pra mãe o dinheiro que conseguiu ganhar. Ao amanhecer a coruja toma forma de moleque que nem aquele filme, " O Feitiço de Áquila". Mesmo assim ele nem caminha pela pista como eu, já que ele voa.
Quando eu trabalhava no Super Sampaio, mercadinho de Sobradinho, o meu patrão me pedia pra eu ir no Correio da quadra oito. Eu achava ótimo essas "missões de campo", como diziam no quartel, e ia feliz da vida vendo os passarinhos e as ninfetinhas. Agora quando meu chefe lá no TCU me manda pagar alguma coisa lá no Setor de Autarquias Sul, eu vou contrariado. Vou duelar com os carros de novo. Eles de um lado, eu de outro. E na contramão. Só ando na contramão, não por tendência ideológica mas sim por proteção, porque na contramão você vê quem vem. Você encara seu inimigo.
E lá vem eles. Geralmente um por carro, lá vem eles, executivos, gatinhas, senhoras chiques, moleques com óculos-cara-de-mosca com seus insuportáveis pagodes, mulheres advogadas escutando Tears for Fears ou outro treco broxante, prestadores de serviço gordos e com barba por fazer, entregadores de alguma coisa, sempre perdidos (sim , perdidos, porque se você foi parar lá no meio daqueles estacionamentos dos anexos dos ministérios ou você está numa sinuca ou seu chefe não te paga transporte até seu trabalho.)
No final das contas é só eu neste frágil invólucro de carne desafiando pujantes pickups, elegantes carros oficiais, simpáticos "corsinhas", populares gols brancos, empreendedores fords, nazistas wolkswaggens, raros patriotas gurgéis e outros.

Escrevi esse texto em 14 de março de 2004

2 comentários:

  1. Você é um fotógrafo cara... cadê as fotos desse matagal, barro, mulheres dirigindo ao celular(as gatas, de preferência) e tudo mais???
    Tá faltando isso!!!

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  2. Cara, esse texto é um achado da poesia marginal! Aliás: é mais marginal q a poesia marginal pq é escrito em prosa!!! Vc mostra como vc fere de faca o ideário modernista de uma cidade jogo de damas. Seus movimentos em BSB não são horizontais, verticais ou diagonais, são tortuosos, pois a experiência ensina q o caminho mais curto entre um ponto e outro é um trilha de barro inconstante no meio de quatro pistas. Eu tb sempre me amarrei em violar as calçadas de BSB. Pow, elas levam de lugar algum para lugar nenhum! Seu texto tinha q ser publicado!!!

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