domingo, 1 de fevereiro de 2009


Descemos no Internacional de Los Angeles. Ann, eu te amo. Espero que meu carro pegue. Espero que a pia não esteja entupida. Estou feliz por não ter comido uma fanzoca. Estou feliz por não ser muito bom em me meter na cama com estranhas. Estou feliz por ser um idiota. Estou feliz por não saber nada. Estou feliz por não ter sido assassinado. Quando olho para minhas mãos e vejo que ainda estão nos meus pulsos, penso comigo mesmo: sou um cara de sorte. Desci do avião arrastando o casaco de meu pai e minha pilha de poemas. Ann veio ao meu encontro. Olhei no rosto dela e pensei: merda, eu a amo. Que vou fazer? O melhor que podia fazer era bancar o indiferente, depois seguir com ela para o estacionamento. A gente nunca deve deixá-las saber que está ligando, senão elas nos matam. Curvei-me, dei-lhe um beijinho na bochecha. - Foi bom pra caralho você ter vindo. - Tudo bem - ela disse. Saímos de carro do Internacional de Los Angeles. Eu tinha feito meu número sujo. A prostituição da poesia. Eu jamais fazia propostas aos fregueses. Queriam seu prostituto: tinham-no. - Garota - eu disse a ela - senti falta de seu rabo mesmo. - Estou com fome - disse Ann Fomos a um lugar chicano na Alvarado com Sunset. Comemos burritos com chili verde. Acabou-se. Eu ainda tinha uma mulher, uma mulher com quem eu me importava.Uma mágica dessas não é para ser levada na brincadeira. Olhei o cabelo e o rosto dela quando voltamos pra casa. Olhei-a de soslaio quando achava que ela não estava vendo. - Como foi o recital? - ela perguntou. - O recital foi muito bem - respondi. Subimos a Alvarado para o norte. Depois para o Glendale Boulevard. Tudo estava bom. O que eu odiava é que algum dia tudo se reduziria a nada, os amores, os poemas, os gladíolos. Abaríamos recheados de terra, como um taco barato. Ann entrou na estradinha de acesso à nossa casa. Saltamos, subimos os degraus, abrimos a porta e o cachorro saltou em cima da gente. A lua ergue-se, a casa cheirava a linho e a rosas, o cachorro saltou em cima de mim. Puxei as orelhas dele, dei-lhe palmadas na barriga, ele arregalou os olhos e sorriu.
Bukowski, 1920-1994. livro "Numa Fria", no conto "Entra, Sai e Acaba".

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