sábado, 21 de março de 2009

Miguel está cansado. Hoje foi concluída a concretagem das lajes do terceiro subsolo da edificação. A tensão de acabar no prazo, os supervisores de azul com aquelas caras de cú. O sol desgastante, aquela roupa cheia de tralhas. Seu orgulho era a perfeita planificação do concreto, sua arte. Fizera com a régua: um pedaço de madeira enorme que, artesanalmente, era posta a retirar as ondulações e excessos de cimento. Ao ver um trabalho bem feito seu coração enchia-se de satisfação. Gostava de observar o caminhão betoneira encaixar-se ao engate da bomba, como dois cachorros em final de fffoda, quando permanecem ligados pelas bbundaas. 18h seguir pra casa. O patrão era um imbecil e pagava pouco, mas como era serviço pro governo, todo mundo tinha seus armários. E o refeitório servia uma carne de panela que lembrava a comida da sua falecida mãe, quando ainda moravam no bairro de Tabajara, em Olinda. Agora era ir pra casa e socar o pirú em Glória. Antes era enfrentar a fila do ônibus da empresa, ir em pé, escutar a conversa idiota das copeiras. Depois era arranjar lugar no 373 que o conduziria para a expansão da Samambaia. 
Casa. Cheiro de óleo, a mulher deve ter frito batata pras crianças. A calcinha de Glória no varal despertava aquela sensação confiante entre as pernas. O muleque estava estirado na sala, fascinado pelos pedaços de brinquedos que compraram com muito esforço no natal. Aquele peste quebrava tudo. Miguel tinha rancor até hoje do vídeo cassete que amanheceu com as tripas pra fora porque Antônio, seu filho, queria saber como funcionava. A menina mais velha não estava em casa, deveria estar se assanhando por aí. A menorzinha estava quietinha, no bercinho que faltava nove prestações para terminar de pagar. Alguns papéis de contas na mesa da cozinha. Não queria saber daquilo naquele momento, queria estar entre as pernas de Glória. Glória tinha um bbucettão enorme.  
E lá estava ela, desabada no sofá, vendo aquelas merdas de novelas. Glória era cabaça quando se casaram.  Doze anos se passaram e ela, mesmo com o bucho meio frouxo e aquelas veias saltando nas canelas, era gostosa. "Oi, mô." Não falou nada. Enfiou uma mão dentro de sua camisa do governador Roriz. "Não, aqui não." E foram pro quarto. Glória cheirava a sabão em pó. A essa altura eles não mais se beijavam. Ela ficava de quatro e segurava o gemido no travesseiro. As vezes ele mandava ela chupar e ela, obediente, engolia tudo. 

Pedro está cansado. Hoje terminou aquela ilustração sobre Justiça, pedofilia e Igreja Católica. O artigo soara abstrato demais e aquilo acabava com ele. Mais ainda porquê os editores nunca estavam à altura das ilustrações que fazia. A cobrança para entregar rápido, a pressa dos diagramadores pra fechar a página e se livrarem logo daquilo. Seu orgulho era o degradéé das cores, o fino trato com tinta guache que era transposto por sua wacom (uma mesa gráfica), elevando pixels e logaritmos ao status de arte. Adorava a ponte que fazia entre o analógico e o digital. Ao ver um trabalho bem feito seu coração enchia-se de satisfação. Seu grande charme era a dúvida que deixava no ar quando os admiradores de seu desenho não sabiam se aquela peça fora produzida no papel, com dedos sujos, muito esforço e profundo conhecimento de mistura de tintas ou com práticos Ctr+Z, paletas de milhões de cores e finalizações violentamente belas a três ou quatro cliques de dificuldade. O seu royal straight flush profissional era aquele estúdio, as parcerias que tinha com outros desenhistas e a cartela de clientes de grandes veículos que fez enquanto ainda era esmagado por salário e rotina de oito horas diárias. Mas valeu a pena. Todos os dias escolhe entre o restaurante chinês e a cantina com vista pra Avenida Paulista. Agora era ir pra casa, encontrar com Carolina, sua X-Princesa. Antes tinha de pegar o metrô, observar aquelas pessoas interessantes do underground e seguir para Osasco. 
Apartamento. Revistas de design e histórias em quadrinhos pelo chão. Piso de taco de madeira. Pedro ama esse piso porque adora ver os pequenos pés de Carolina desnudos caminhando. Uma música no ar, era Bach na viola brasileira, de Geraldo Ribeiro. Na mesa de mogno, da sala, contas pra pagar. Não queria saber daquilo naquele momento, queria estar entre as pernas de Carolina. Era a sua garotinha. O ambiente era acolhedor e não precisou adiantar mais passos para encontrar com ela estirada no sofá, lendo uma SuperInteressante. Estava de bruços, calcinha no estilo cuequinha. Usava camisa branca, com desenho que ele tinha feito. Rabo de cavalo e meias três quartos brancas. Ela olha pra ele e sorri. Despertava aquela sensação confiante entre as pernas. Ela afastou-se, ficou sentada no sofá. Pedro Sentou-se ao seu lado. "senta aqui no colinho que o tio vai te dar um doce" ele disse, sorrindo. Ela sentou. E se beijaram... como se fossem morrer no próximo minuto. E fizeram amor loucamente.   

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