quarta-feira, 28 de novembro de 2012

mulher maravilha - Histórias Que Gostaria de Ler - parte 1

Meu nome é Diana. Todas as manhãs tenho corrido pelas praias da Ilha Temiscira. Estava a me preparar para a última etapa de combates da Disputa do Título de Mulher Maravilha, ou seja, o cargo de filha favorita de nossa Mãe, a honorável Rainha Hipólita. Somos finalistas eu e Ellen. Crescemos juntas. Ela é loira, mais agressiva e guerreira do que eu. Gosto também de aprender instrumentos musicais – sou boa em harpa – e de ler. Na maioria das lutas tenho alguma sorte que me protege. Minhas oponentes, por mais preparadas que estejam, escorregam ou erram seus golpes contra mim. Uma vez o coque de uma adversária se desfez e seu cabelo caiu sobre os seus olhos, quando consegui imobilizá-la com meu laço. As amazonas mais determinadas extirpam um dos seios para melhorar o desempenho de empunhar o arco e disparar flechas. Acho isso uma agressão à nossa constituição feminina, o presente da criação divina de nossa Mãe Rainha.

Foi justamente no momento em que pensei se havia algo além do horizonte que a serpente de cabeça de metal, pescoço de fogo e corpo negro surgiu gritando como o contato de uma espada com a pedra amoladora, saltando faíscas. A serpente parecia estar morrendo e seu grito era seu suspiro final. Entrou na floresta enquanto seu corpo se desfazia como vapor e as árvores curvavam-se diante do choque de sua cabeça. Corri na direção que caiu.

O Reino de Temiscira, também conhecido como Ilha Paraíso, se preparava para receber as deusas do Olimpo que vinham visitar e assistir a Disputa de Mulher Maravilha. As deusas tinham o costume de visitar a ilha de tempos em tempos. Talvez a serpente fosse alguma deusa amiga da Rainha Mãe. Ou fosse o transporte de alguma delas que havia dado errado. As vezes a égua voadora Pégasus de Athenas estava de mau humor e pousava de jeito brusco. Outras vezes reparei nervosismo nas éguas voadoras que conduziam a carruagem cor-de-salmão com detalhes dourados de Afrodite na hora de partir. Enfim: alguma coisa não estava certa e alguém precisava de minha ajuda.

Cheguei a clareira que a serpente abriu na mata. A serpente tinha um olho só, no meio da testa. Como a transparência de um ovo em frente a uma vela, percebi alguém lá dentro. Quebrei a casca com um soco e ví um ser disforme: um sapo com cabeça de besouro e olhos de mosca. Tinha a aparência repugnante. Precisava de ajuda.

Peguei com cuidado aquele corpo. A cabeça estava rachada. Percebi, então, que aquilo não era sua cabeça. Mas sim um elmo como o que usava para digladiar-me com minhas irmãs.

Quando retirei o elmo fiquei profundamente arrepiada: era, como eu, uma mulher. Mas não tããão parecida. Seus cabelos curtos desciam até a maçã do rosto, mas diferentes, como os pêlos que tenho nas axilas. Tinha um nariz enorme, parecia que tinha sido posto no rosto de qualquer jeito e um queixo desproporcional. Era muito feio. Aquele rosto quadrado lembrou-me Lorena, a mais alta e mais forte de todas as irmãs.

À medida que corria com aquela mulher estranha nos braços sentia um inexplicável afeto por ela. Nunca havíamos nos visto. Tinha vontade de parar, tocar seu rosto. E havia um cheiro diferente, parecido com o suor após as batalhas no Coliseu. Quando sentia o cheiro meu baixo ventre palpitava como se puxasse o ar para sí, querendo respirar também. Saltava pedras e arvores. Senti meu coração bater rápido demais para aquela atividade física simples que nem chegava próxima dos treinamentos diários. Meu corpo esquentava de outra forma.

Quando comecei a me aproximar correndo da entrada da cidade, as amazonas de prontidão queriam que eu parasse para dar explicações. Não tinha tempo. Meu coração pedia urgência, sentia que deveria chegar o mais rápido possível no Templo da Cura. Saltei as irmãs amazonas. Senti orgulho de mim mesma. Realmente estava preparada, era uma das melhores guerreiras dalí embora durante meu treinamento gastasse tempo proporcional debruçada sobre os pergaminhos de matemática, política e alquimia.

Quando cheguei às grandes portas do Templo da Cura a notícia de que trouxera uma forasteira de cabelos curtos e pele de sapo comigo já havia se espalhado. As irmãs me seguiam, corriam atrás de mim, faziam perguntas. “Quem é essa mulher horrível?” “é uma deusa caída?”

A Sacerdotisa da Cura abriu as gigantescas portas de madeira maciça do templo através de um encanto. Coloquei o corpo da estranha na grande mesa de mármore das ofertas divinas, em frente ao altar. Alí se realizavam os feitiços de cura e recuperação.

A Sacerdotisa parecia perplexa. As mulheres da cidade invadiram o Templo, se acotovelavam para ver a visitante desmaiada.

“Saiam todas de minha presença!”, gritou a sacerdotisa como se despertasse de um transe. “Que fiquem Diana e minhas discípulas!”

Houve confusão. Todas na ilha eram guerreiras, uma turba difícil de conter. Para ser uma verdadeira curandeira, a Sacerdotisa precisava saber sua contrapartida: a dor e a destruição. Havia estudado os diversos mecanismos da morte, do aço à magia. Disse algumas palavras indecifráveis e fomos envoltas numa esfera de fogo. Corvos em chamas nasceram da esfera e se precipitavam em rasantes em direção às amazonas invasoras. Pouco a pouco foram se afastando, assustadas com o grunhido aterrorizante dos pássaros de fogo mágico.

Saltei da esfera incandescente e encerrei as gigantescas portas do templo. Me esforcei muito. As chamas sumiram como se nunca houvessem acontecido. Silêncio.

“Tirem as roupas da criatura!”, retomou a Sacerdotisa. “Vamos proceder aos rituais de cura. Tragam o bálsamo de olivas, raízes de pimenta do monte e os vapores termais”

A equipe era sofisticada. Cada uma sabia sua função, moviam-se com precisão. Um grupo dirigiu-se ao depósito enquanto outras traziam a banheira de pedra. Trouxeram água quente em um caldeirão. A turma que restou sacou adagas e pequenas foices douradas e começaram a rasgar as roupas que achei, no início, que eram sua pele. A exposição crua do corpo da forasteira paralisou as servas. Uma vomitou. No lugar de seios um pêlo denso como porco-do-mato recém-nascido. Tinham ombros largos e fortes, todas lembramos de Lorena. Havia uma laceração, vísceras brotando dos seus pêlos na virilha, um pedaço horrível de intestino exposto.

Observei com um misto de nojo e encantamento. Nunca havia ficado tão confusa como naquele dia. Ví aquela mulher com aquele corpo estranho e pensava se era um erro dos deuses. Eles podiam errar. A Rainha é nossa mãe, nos criou distintas em peso, altura, cor dos olhos, textura do cabelo, personalidade. Mas somos todas amazonas, mulheres. Irmãs e perfeitas.

A Sacerdotisa conjurou um feitiço de levitação que suspendeu a estranha mal formada e a colocou na banheira cujos vapores subiam e brilhavam no ar, formando bolhas coloridas.

Tentava falar alguma coisa. Mas minha voz estava embargada, quando consegui foi como um grunhido:

- Mas Sa-sacerdotisa... o que é isso?”

De repente, a Rainha Mãe se materializou acima de nossas cabeças numa luz que preencheu toda a câmara. Segurava sua lança que era o cetro real. Descia suavemente, suas vestes esvoaçavam como se estivesse mergulhada no mar.

Isto, minhas filhas, é um HOMEM.

(continua...)

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