Nova Iorque, 11 de
abril de 1969
Papai, não quero ser
igual ao senhor. Preciso sair daqui, fugir desse lugarzinho esquecido
por Deus e o Diabo, onde nada acontece. Não posso me preocupar com o
vencimento dos picles enquanto existem príncipes de outras galáxias
andando poraí. Não posso aceitar passar os dias na lojinha
atendendo caipiras comedores de salsicha enquanto as pessoas estão
colocando mochilas nas costas e atravessando o país. Eu sei que o
senhor contou comigo. Tomar conta do nosso mercadinho, dar uma boa
vida pra mãe e sustentar a faculdade das minhas irmãs. Me desculpe.
Não posso fechar os olhos enquanto uns sujeitos voam, outros amassam
aço com as mãos. Desculpe pai.
O mundo pirou depois da
Segunda Guerra Mundial, quando o Jet Boy, a bordo de seu avião a
jato, explodiu naquela nuvem rosa de raios sobre a cidade. (Lembra
das histórias que o senhor contava pra mim do Jet Boy, o maior
aviador de todos os tempos, antes de dormir?) Ele estava tentando nos
salvar. E aquela coisa, aquela radiação, esse tal vírus Carta
Selvagem transformou as pessoas. Pai, como a gente pode acreditar em
Deus, Jesus ou igreja se as pessoas se tornaram deuses? Eles podem
ler a mente, são capazes de atravessar paredes, defendem a verdade,
a justiça, derrotaram os coreanos. Claro, nem todos. Na verdade a
maioria sofreu terríveis transformações, se tornaram monstros
assustadores. Talvez seja o preço a pagar pra viver essa época cuja
nenhuma mitologia chegou perto de descrever.
Os mais perfeitos e
brilhantes são os Ases. Os deformados e horríveis os Curingas. Sei
que o senhor não se interessa por essas coisas, acredita que são
sinais do Juízo Final.
Mas quer saber o que
acho? São tempos incríveis. É Nova Iorque. E é lá que as coisas
estão acontecendo.
Dizem que o metrô tá
cheio de minotauros, elfos, anões, demônios... toda espécie de
criatura bizarra. Não se preocupe comigo papai. Não vou me meter no
meio dessa gente. Guardei algum dinheiro e quero trabalhar no meio
dos Heróis. Vou procurar alguma coisa na televisão. Eles sempre
estão precisando de alguém disposto pra ajudar o cameraman, ou
algum auxiliar-faz-tudo. Disso não posso reclamar, pois aprendi
muita coisa com o senhor, a gente sempre se virou no negócio da
família.
Quando me firmar mando
outra carta. Não venha atrás de mim.
Deseje-me sorte. Manda
um beijo pra mamãe e pras meninas.
Rick Raul
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