sexta-feira, 18 de abril de 2014

O LEGO do Inferno

Você não vai acreditar. Talvez eu esteja ficando maluco mesmo. Mas foi assim: na volta do trabalho, ia muito tarde pra casa. Me sentia culpado por deixar de estar junto de meu filho tanto quanto ele merece. Passei numa dessas lojas de brinquedos e comprei um kit dos mais luxuosos de LEGO. Era viagem espacial, tinha certeza que meu filho iria adorar!

O pequeno já me esperava triste. Achava que eu tinha esquecido dele.

Mesmo cansado sentei no chão pra montar o brinquedo com ele. O manual explicava onde cada peça se encaixava pra montar um foguete bacana.

Tinha um bonequinho de um índio, perdido entre as peças. Achei estranho, esperava um astronautinha, um ET, alguma coisa do gênero. Mais ou menos um índio: tinha um arquinho e flechas nas costas, mas se vestia meio de samurai ninja, um chapéu pontudo, de frio. Tinha os olhos puxados, um cavanhaque e uma cara assustada, o que era mais esquisito ainda.

Possivelmente era algum erro de montagem lá na fábrica. Trocaram as peças em algum momento da embalagem final.

Exausto, fui dormir antes de concluir. Pela manhã não tinha um foguete ou uma nave. O moleque montou um monstro terrível, pôs o índio assustado, fugindo e olhando para trás. Ele é uma criança muito inteligente, poderia montar o foguete até sem manual. Mas preferiu construir outra coisa, de sua imaginação.

Na outra semana havia prometido que veríamos juntos "Piratas do Caribe" na Tela Quente. O problema é que estamos com problemas na empresa e saí tarde mais uma vez. De novo comprei um kit de LEGO, maior ainda, cujo tema era o Tempo das Cavernas.

Cheguei em casa, sentamos no chão, os dois com sono mas empolgados pela caixona de mais de mil peças para ser desbravada.

Quando retirei o pacote de peças do plástico caíram dois bonequinhos. Um, todo de preto, com uma terninho e uma gravatinha borboleta também preta. Ele era negro e tinha óculos de armação grossa. E o outro tinha uma fardinha branca, cheia de medalhas, um quepezinho. Pensei que era o SuperMárioBros por causa do bigode. A semelhança entre os dois eram as carinhas muito assustadas.

Mais uma vez me retirei pro quarto. Por mais que me esforçasse não terminaria nem a primeira parte do kit.

Sem aula no outro dia, era feriado. Meu garoto passou a noite inteira montando dinossauros bizarros que perseguiam os dois personagens aterrorizados.

Na hora de meu intervalo de almoço fui a loja de brinquedos. Perguntei ao atendente se alguém já tinha reclamado da troca de peças do LEGO. Os cenários vinham completos mas os bonecos não faziam parte da cena. Ele me disse que ninguém havia falado nada. Para não perder a viagem comprei mais um kit. O tema era o Fundo do Mar.

Como já esperava, mais bonequinhos anacrônicos, deslocados do assunto do jogo. Vieram três: um chinês gordinho, calvo, numa roupinha cinza. O outro tinha um turbante, uma barbinha negra e um casaquinho de exército. O terceiro me fez perceber, afinal, o que estava acontecendo: ele tinha aquele cabelinho de lado, o bigodinho curtinho, uma roupinha bege e a suástiquinha no bracinho. Expressões de horror em cada carinha.

Aquela noite larguei os bonequinhos, entreguei tudo ao meu filho. Ele parecia não se dar conta de nada. Estava feliz com tantas peças e todas as probabilidades de monstros que poderia montar.

Fui dormir.

Pela manhã, a cena que o menino montou era muito mais criativa e diabólica que todas as anteriores: os bonequinhos em torturas terríveis, na boca de bestas gigantes ou desmantelados em um caldeirão cheio de outras pelas LEGO.

Se o inferno eterno existir, é possível que Deus tenha criatividade infinita para suas punições...

FELIZ PÁSCOA.    

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