sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Salvem os Gigantes!

Ontem, antes de dormir, queria viajar por outras realidades (ou escapar dessa), desligar da existência no planeta Terra. Peguei o romance oitentista "A Estilha de Cristal", ambientado em fantasia-RPG-AD&D-medieval-criaturas-mágicas e fui em frente. Passei da metade já. A primeira parte foi sobre tribos bárbaras e nômades que queriam invadir as terras da gente boa, humana, pescadora e burguesa (no sentido primitivo da palavra, de viver em burgos e cultivar o comércio). Até aí legal. É bacana torcer pro lado mais frágil nesse momento.

Tudo bem.

A segunda parte é sobre um bando de monstros que, influenciados por um mago malévolo (santo clichê, Batman!), pretendem marchar rumo às cidades dos pescadores (DE NOVO os pobres homens estão numa enrascada). E lá vão mais uma vez nossos heróis salvar o dia... 

Pô.

(a seguinte cena me chocou e finalmente entendi o humanismo do Álvaro quando sentávamos em volta de uma mesa, tínhamos fichas de personagens, jogávamos dados e brincávamos do faz-de-conta institucionalizado - que é o RPG, Role Play Game)
Os heróis invadiram a cozinha do exército dos Gigantes e, entre carneiros assados, panelas e temperos assassinaram as criaturas, numa emboscada terrível. Espadas decepando dedos, martelos estraçalhando tíbias, gargantas degoladas.
Os Gigantes não tiveram chance. Cara... sinistro.

Talvez tenha sido o Shrek que me fez enxergar o outro lado da história.
(ou lá atrás ainda, com o Corcunda de Notre Dame do Victor Hugo ou o Frankestein de Mary Shelley, enfim)

É meio estranho ter compaixão por personagens fictícios, eu sei. Mas... se os Gigantes tinham uma cozinha, preparavam comida (inclusive com temperos. É, no mínimo, um refinamento gastronômico), eles tinham fome, sentiam sede e se sentiam sozinhos (porque sempre andam em grupos no livro). Devem ter uma mãe e um pai e irmãos, da raça Gigante. Foram crianças, cresceram, seguiram sua cultura e... foram assassinados pelos "heróis". OK, no romance são apresentados como uma raça belicosa e desprezível. No final das contas são os MONSTROS.

Mas... será que não poderia ser de outro jeito ?

O livro nem terminou e já estou a inventar um outro caminho, distinto dessa violência toda: os heróis poderiam descobrir os motivos da presença dos Gigantes alí (os monstros estão longe de seu habitat). A investigação levaria ao mago malévolo. E a questão seria resolvida com quem tem responsabilidade genuína no problema da futura invasão das cidades humanas.
Inclusive até imaginei uma missão humana para firmar contato com essas raças discriminadas. Criar um comércio, sei lá. Imagina vender artesanato gigante. Ou contratar mão de obra goblin pra montar produtos numa linha de produção fordista? Ou alugar passeios em pégasos? Utilizar minotauros na construção civil ?? Seria muito mais vantajoso para todos.

Mas aí a fantasia sobre Idade Média, com todos seus arquétipos junguianos de compreensão dos mitos, perderia o sentido. Seria um mundo de harmonia e globalização. E se não queremos isso aqui, muito menos nos contos de fada, né?

:-( 


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